Terapia sem sair de casa?

Publicado dia 16 de junho de 2020
Maristela Napolitano
Entre a impossibilidade de sair de casa pelo risco de perder saúde física por conta da pandemia ou ficar em casa em quarentena e arriscar a saúde mental, como fazer terapia?
 
A resposta está em uma modalidade de atendimento terapêutico relativamente nova que a tecnologia de nossos dias tornou possível: o atendimento psicanalítico virtual, ou terapia online.
Não estamos aqui nos referindo a sites na internet ou aplicativos, mas sim da transposição do atendimento que era feito no consultório para a tela do celular ou do computador, num atendimento que ocorre em tempo real, em conversas por áudio ou vídeo e onde o analista segue as mesmas linhas e cuidados do atendimento presencial.
A resistência que existia tanto por parte de analistas quanto de analisados cedeu à necessidade do distanciamento social imposto pela pandemia, desafiando os que consideravam suas habilidades com a internet limitadas e, mais ainda, os que deduziam que esse tipo de atendimento seria incompatível com a teoria de Freud.
Imaginativamente presumimos que se Freud vivesse em épocas de opções tecnológicas como a nossa, provavelmente seu divã não seria a peça indispensável de seu consultório, e sim o celular e o notebook, já que ele mesmo se mostrou incentivador das terapias à distância, tratando pacientes por cartas. Presumidamente, um atendimento à distancia é seguramente melhor que nenhum tratamento.
Elucubrações à parte, entendemos o quanto a tecnologia da comunicação torna possível o acompanhamento e a preservação da saúde mental de analisando através de atendimentos virtuais, especialmente em tempos de pandemia.
A tecnologia da comunicação
Em termos mundiais, 67% da população – 5,1 bilhões de pessoas – usa algum tipo de celular, segundo dados do relatório “Economia Movel 2019”, da empresa GSMA, que representa o interesse de operadoras móveis.
No Brasil, em 2019 já tínhamos mais de um smartphone (celulares inteligentes) por habitante, mais especificamente, 230 milhões de smartphones estavam em uso no país. Adicionando os notebooks e os tablets, são 324 milhões de dispositivos (30ª Pesquisa Anual FGV/EAESP, 2019). O percentual de domicílios que utilizavam a Internet subiu de 74,9% para 79,1%, de 2017 para 2018, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Hoje a maioria da população tem acesso a um dispositivo com internet, requisitos mínimos para que o atendimento virtual aconteça.
Mais acesso à terapia
A pandemia e a necessidade de quarentena, de isolamento ou afastamento social acentuam a angústia e a ansiedade advindos dos sentimentos das mais diversas ameaças de um futuro incerto, culminando em sentimentos de impotência e medo da morte pela ameaça de um vírus que tomou proporções mundiais, isso sem mencionar o luto de perdas já ocorridas pelo contágio do vírus. O resultado é um aumento na demanda por terapia em busca do equilíbrio emocional e, com o impedimento do atendimento presencial, o atendimento virtual vem ao encontro da necessidade atual. Além disso, os tratamentos que já vinham acontecendo presencialmente podem ser continuados, sem interrupção e prejuízo do andamento do trabalho que já vinha sendo feito.
O vasto alcance do atendimento online amplia o acesso à terapia, e isso é, sem dúvidas, seu aspecto mais impactante.
Ganhos e perdas
Indiscutivelmente, a possibilidade de atender pacientes apesar dos consultórios fechados é um grande ganho. Ampliar o acesso a terapia, um ganho sem precedentes.
O atendimento virtual ainda beneficia aqueles que estão geograficamente prejudicados, ou porque residem no exterior e preferem fazer terapia em sua língua materna ou porque vivem em cidades muito pequenas e não se sentem confortáveis de serem atendidos por pessoas locais, normalmente conhecidos.
Porém, como tudo na vida, há uma adaptação a ser feita. O atendimento virtual limita a leitura corporal que o psicanalista faz do paciente através da observação dos gestos e postura. A linguagem não verbal traduz manifestações do inconsciente em paralelo com a linguagem verbal e é uma leitura à parte da escuta psicanalítica.
Quando o atendimento é por vídeo, a visão na tela do celular ou no notebook limita aos dois lados a percepção – de movimentos, sensações e emoções.
Essa perda se acentua quando o atendimento é por áudio. Não visualizar o paciente traz outras limitações como, por exemplo, saber se o paciente está exclusivamente dedicado e atento à sessão. Para isso, acordos com o paciente são fundamentais desde a primeira sessão, para que ele esteja atento à necessidade de comprometimento que a análise exige.
Importante ressaltar, ainda, que há casos em que o atendimento virtual não é recomendado – ou é, mesmo, proibido. O psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, pondera que “nas situações mais graves, de risco para suicídio, de adicções ou de angústia extrema, não se recomenda tratamento à distância”. Inclua-se nessa relação os surtos psicóticos, ataques de pânico ou depressão profunda. A proibição é para as situações de violação de direitos ou de violência (estupros e ataques racistas ou homofóbicos) ou ainda de desastres (incêndio, enchente ou acidente de avião).
Ética e segurança
É comum as pessoas não se sentirem confortáveis com o atendimento online, entretanto todos os cuidados do atendimento presencial são seguidos no ambiente virtual. O acolhimento e o foco na sessão acontecem da mesma forma.
Com relação aos cuidados necessários, é preciso estar atento ao uso de ferramentas de comunicação à distância que assegurem sistemas de segurança capazes de possibilitar que as conversas continuem sendo privadas, garantindo assim que o atendimento possa ser feito com ética. Em seu artigo de maio de 2020, o site vpnoverview.com/pt menciona alguns dos aplicativos gratuitos que atendem exigências de segurança, alguns mais conhecidos, como Whatsapp, Skype, Microsoft Teams e Zoom, e outros menos, caso do Eyeson, Jami, Jitsi, Join.me, Miro, Signal, Slack, WebEx, Whereby, Wickr e Wire.
É importante que o analista se familiarize com a ferramenta que escolher para poder ajudar o paciente a usá-la adequadamente. Certas interferências “técnicas” são comuns nos atendimentos virtuais: a instabilidade do sinal de internet, por exemplo, pode acarretar cortes na fala ou até a queda do sinal. Essas interferências devem ser administradas por ambas as partes, especialmente para que o atendimento, apesar de virtual, possa ser o mais humanizado possível.
Como funciona?
Dependendo da ferramenta escolhida, o analista disponibiliza um link de acesso a uma “sala de reunião” online e, no horário de atendimento combinado, o paciente “entra” na sala. Aplicativos mais simples permitem que o paciente apenas faça uma ligação de vídeo-chamada no horário da consulta. Ao atender, o analista já dá início à sessão.
O atendimento virtual tem sido, em tempos de quarentena, uma forma muito bem vinda de cuidar de emoções, do bem estar mental. Uma ferramenta importantíssima na jornada da “cura das dores da alma”, como nos diz Freud, para, assim, se levar a vida de forma equilibrada, leve e plena.